sábado, 1 de novembro de 2025

Maurice Ravel (1875-1937) - Piano Trio, M. 67 e Dmitri Shostakovich (1906-1975) - Piano Trio No. 2 in E Minor, Op. 67

Extraído do encarte do disco:

O trio para piano de Maurice Ravel nasceu sob a sombra de uma guerra que se insinuava em sua criação. Ainda assim, seus primeiros movimentos foram concebidos em um cenário o mais distante possível do conflito. No início do verão de 1914, Ravel vivia um de seus períodos mais felizes, passando férias com o amigo Alexandre Benois na cidade basca de Saint-Jean-de-Luz, no Atlântico, a poucos metros de Ciboure, onde nascera.

Diz-se que foi ao observar vendedores de sorvete dançando um fandango na praça que Ravel encontrou o primeiro tema de seu Trio em Lá maior — um tema que ele acreditava, erroneamente, ser de origem basca. A reflexão do compositor russo Dmitri Shostakovich sobre o “espírito popular na arte” ajuda a compreender o que Ravel buscava: “Ser popular em espírito”, escreveu o russo, “não significa recorrer a melodias folclóricas, mas estar intrinsecamente ligado à herança clássica do povo, até suas maiores realizações na sinfonia e na ópera.”

Ravel dominava essa arte de entrelaçar o universo musical popular às tradições eruditas — como demonstrou de forma impressionante em Chansons Madécasses. No movimento Pantoum, Assez vif, ele funde uma complexa forma poética malaia à música, estrutura que exige duas ideias distintas capazes de coexistir em alternância e em combinação. A elas, o compositor acrescenta um terceiro tema lírico, ampliado, que une o centro do movimento.

A eclosão repentina da Primeira Guerra Mundial abalou profundamente o músico. Ao regressar a Paris, o frágil Ravel tentou, em vão, alistar-se, recorrendo a todos os contatos possíveis: “Sei que, ao compor, trabalho pela nação... mas isso não é consolo”, desabafou. Acelerou, então, o trabalho no trio, determinado a concluí-lo antes de servir o país. Embora não haja registros precisos da ordem de composição dos movimentos, é provável que o peso da guerra tenha influenciado a Passacaille, Très large — um vasto arco melódico que, sem repetir rigorosamente seu tema, revela o domínio estrutural de Ravel, como também se vê em Boléro e La Valse.

O Finale, Animé confirma o talento do compositor como orquestrador, ampliando os limites tímbricos do trio para piano — embora o próprio Ravel duvidasse de que os intérpretes conseguissem sempre captá-los plenamente. Se há uma dimensão política na segunda metade da obra, ela se manifesta como um tributo vibrante à “União Sagrada” do governo francês.

Décadas depois, em 1944, Shostakovich iniciava seu Segundo Trio para Piano, Op. 67, em um contexto igualmente marcado pela guerra — e pela perda pessoal. O trio se abre com três vozes em contraponto, entre elas as notas agudas e etéreas do violoncelo, lembrando o choro de uma criança. A melancolia tem origem concreta: o compositor trabalhava na peça logo após a morte repentina de seu grande amigo Ivan Sollertinsky.

O impetuoso Allegro con brio, no entanto, reflete a ligação que Shostakovich via entre vitória militar e força cultural. Depois de dois outubros enfrentando o cerco alemão em Moscou e Leningrado, ele escreveu: “Nada enche mais meu coração de orgulho que o estrondo dos canhões saudando nossa capital. Jamais o prestígio das forças armadas russas foi tão grande.” Ao mesmo tempo, exaltava o florescimento da música de câmara e o vigor da produção musical das repúblicas soviéticas não russas.

Os movimentos finais do trio mergulham em um clima de desolação. O Largo começa com oito acordes fúnebres ao piano, sobre os quais violino e violoncelo dialogam em lamento. Enquanto compunha, Shostakovich tinha plena consciência das atrocidades nazistas durante a retirada alemã. O Allegretto–Adagio final evoca uma dança judaica da morte, símbolo de redenção no hassidismo. A desesperança permeia o tecido da música: a dança se expande e, em mais de trezentos compassos, desce gradualmente em tonalidade, como se a vida se extinguisse.

Os temas dançantes retornariam depois no Quarteto nº 8, sobrepostos às iniciais do compositor — D–E♭–C–B (D–Es–C–H). Nesse trio, Shostakovich não apenas expressa empatia pela tragédia judaica: ele se identifica como um deles. Quando o som se apaga e a dança se desfaz, o que resta é a lembrança — os acordes fúnebres do Largo, agora ampliados pelo choro harmônico do início.

01. Ravel- Piano Trio, M. 67- I. Modéré
02. Ravel- Piano Trio, M. 67- II. Pantoum. Assez vif
03. Ravel- Piano Trio, M. 67- III. Passacaille. Très large
04. Ravel- Piano Trio, M. 67- IV. Final. Animé
05. Shostakovich- Piano Trio No. 2 in E Minor, Op. 67- I. Andante - Moderato
06. Shostakovich- Piano Trio No. 2 in E Minor, Op. 67- II. Allegro con brio
07. Shostakovich- Piano Trio No. 2 in E Minor, Op. 67- III. Largo
08. Shostakovich- Piano Trio No. 2 in E Minor, Op. 67- IV. Allegretto - Adagio

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