terça-feira, 4 de agosto de 2009

Dmitri Shostakovich (1906 - 1975) Sinfonia No. 13 in B flat minor, Op. 113 - "Babi Yar"

Após o hiato de alguns dias, eu volto com mais uma das sinfonias de Shostakovich sob a regência de Rostropovich. Agora surge a monumental Sinfonia número 13, de 1962. Para muitos, esta é uma das principais peças do compositor. É uma obra densa e chama-se Babi Yar, o que em português nos dá uma possibilidade na tradução como barranco das vovós. Geograficamente, Babi Yar era uma localidade nas proximidades de Kiev, Ucrânia, uma das repúblicas satélites que constituíam a União Soviética. Ou seja, a sinfonia está profundamente comprometida com a história soviética. Na Segunda Guerra Mundial, de acordo com informações históricas, os nazistas teriam assassinado mais de 34 mil judeus num curto espaço de tempo nessa localidade. Nos dois anos que se passaram o número de vítima teria subido para impressionantes 200 mil em toda a União Soviética. Este fato gerou um complexo problema para aquele país, pois percebeu-se um anti-semitismo no coração da União Soviética. O Governo Central tratara com certa negligência o local de Babi Yar. Não haviam somente judeus mortos pelos nazistas. Os ucranianos da região também foram vitimados pela máquina nazista. Nesse sentido, o poeta russo Evgeny Evtuchenko escreveu um poema em homenagem às vitímas mortas. Dmtri se utilizou desse poema e deu a ele um tratamento sem igual. Musicou-o. E fez disso uma sinfonia-cantata em cinco movimentos densos e bem estruturados. O poeta foi perseguido pelo Estado soviético. Shostakovitch como gostava de uma briga, de forma desassombrada, resolveu ir à frente. Na noite da estréia, 18 de dezembro de 1962, vários músicos se recusaram a participar. Entre eles o eminente maestro russo Mravisnky, que era amigo de Shosta. A tarefa ficou para o jovem regente Kirill Kondrashin. A obra pode ser vista assim: No Adagio do primeiro movimento, Shostakovich e Evtuchenko fazem uma denúncia contra a morte dos judeus ucranianos nas proximidades de Babi Yar. Vociferam contra toda forma de anti-semitismo. No segundo movimento, Humor, Shosta faz ironias e dá um tom cômico, desdenhoso, burlesco à música. Essas ironias são típicas em Shosta, que sabia como ninguém ridicularizar o totalitarismo e a injustiça de forma risível, como fez na Nona sinfonia. O terceito movimento, Adagio, é escrito em forma de elegia. O coro harmoniza-se em um tema que forma uma aspecto litúrgico, dando uma ideia de que se é embalado por uma cadência sacra. No quarto movimento, Largo, Shosta evoca a violência e a repressão do Estado Soviético. Este movimento é o mais elaborado da sinfonia com impressionantes efeitos de orquestração. O quinto e último movimento, Allegretto, inicia-se com um tom pastoral, passando-nos a impressão de uma manhã ensolarada e fresca, mas não passa de um ataque irônico de Shosta aos burocratas. Abaixo eu incluo alguns versos da sinfonia extraídos do livro de Lauro Machado Coelho, uma autoridade em Shostakovich.

Babi Yar

Tenho medo.
Tenho hoje tantos anos
quanto o próprio povo judeu.

Parece que agora sou um judeu.
Perambulo no Egito antigo.
E eis-me na cruz, morrendo.
E ainda trago em mim a marca dos pregos.
Parece que Dreyfus sou eu.
Os filisteus são os que me denunciam e são o meu juiz.
Estou atrás das grades.
Estou cercado,
perseguido, cuspido, caluniado.
E as mocinhas, com suas rendas de Bruxelas,
rindo, me enfiam a sombrinha na cara.

(…)

Eu, chutado por uma bota, sem forças,
em vão peço piedade aos pogromistas.

(…)

Que a Internacional ressoe
quando enterrarem para sempre
o último anti-semita da terra.
Não há sangue judeu no meu sangue,
mas sou odiado com todas as forças
por todos os anti-semitas, como se judeu fosse.
E é por isso que sou um verdadeiro russo.


Humor

Czares, reis, imperadores
soberanos do mundo inteiro,
comandaram as paradas
mas ao humor não puderam controlar.

Ó euzinho aqui!
De repente me desembaraço de meu casaco,
faço um gesto com a mão e “Tchau!”.


Na loja

Dar-lhes o troco errado é uma vergonha,
enganá-las no troco é um pecado.

(…)

E, enquanto enfio no bolso as minhas massas,
olho, solene e pensativo,
cansadas de carregar seus sacos de compras,
as suas nobres mãos.
Elas nos honram e nos julgam,
nada está fora do alcance de suas forças.


Medos

Lembro do tempo em que ele era todo-poderoso,
na corte da mentira triunfante.
O medo se esgueirava por toda parte, como uma sombra,
infriltava-se em cada andar.
Agora é estranho lembrarmo-nos disso,
o medo secreto que alguém nos delate,
o medo secreto de que venham bater à nossa porta.
E depois, o medo de falar com um estrangeiro…
com um estrangeiro? até mesmo com sua mulher!
E o medo inexplicável de, depois de uma marcha,
ficar sozinho com o silêncio.

Não tínhamos medo de construir em meio à tormenta,
nem de marchar para o combate sob o bombardeio,
mas tínhamos às vezes um medo mortal,
de falar, nem que fosse com nós mesmos.

Uma Carreira

Os padres diziam que Galileu era mau e doido.
Que Galileu era doido.
Mas, como o tempo o demonstrou,
o doido era o mais sábio.
Um cientista da época de Galileu,
não era menos sábio que Galileu.
Ele sabia que a Terra girava,
mas tinha uma família
e, ao subir com sua mulher na carruagem,
achava que tinha feito sua carreira,
quando, na realidade, a tinha destruído.

Para compreender nosso planeta,
Galileu correu riscos.
É isso — eu penso — que é uma carreira.
Por isso, viva sua carreira,
quando é uma carreira como
a de Shakespeare e Pasteur,
Newton e Tolstói.
Liev?
Liev!
Por que eles foram caluniados?
Talento é talento,
digam o que disserem.
Os que insultaram estão esquecidos,
mas nós lembramos dos que foram insultados.

Não deixe de ouvir esta obra poderosa, este monumento da arte do século XX. Somente um audacioso compositor como Shostakovich poderia compor algo assim. Boa apreciação!

Dmitri Shostakovich (1906 - 1975) Sinfonia No. 13 in B flat minor, Op. 113 - "Babi Yar"

1. Babi Yar (Adagio)
2. Yumor - Humour (Allegretto)
3. V Magazine - In the Store (Adagio)
4. Strachi - Fears (Largo)
5. Kariera - A Career (Allegretto)

National Symphony Orchestra
Mstilav Rostropovich
Nicola Ghiuselev, bass

BAIXAR AQUI

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Have Joy!

2 comentários:

Ricardo Marcel disse...

Essa sinfonia é simplesmente maravilhosa sempre foi a minha preferida das do Shosta ! Não sei se te interessa mas tenho uma versão dela regida pelo próprio Kirill Kondrashin ! Está em vinil e eu estou providenciando a conversão para MP3.

Carlinus disse...

Ricardo, com certeza que me interesso. Pode enviar o link. Será interessante tê-la aqui a fim de que possamos fazer as devidas comparações!

Saudações musicais!